Junho de 1970, Paquistão. O italiano Reinhold, 25, acaba de superar solo uma rota nunca antes escalada do Nanga Parbat, 9ª montanha mais alta do mundo, pela maior parede alpina do planeta. Poucas centenas de metros lhe separam do sonhado cume daquela tremenda massa de terra, pedra, neve, e em breve, consagração. A suspeita de tempo ruim pela frente foi a razão do acordo entre seu irmão mais novo Gunther, de 24, e um outro companheiro de escalda de não continuar na ascensão: Reinhold continuaria sozinho. O garoto determinado era rápido e experiente. Apesar da pouca idade, já escalava há vinte anos. No começo, acompanhando seu pai rigoroso, depois, fugindo dele.

Por um breve momento, Reinhold Messner contemplou o topo do Nanga Parbat  “Agora falta pouco, vou manter o passo firme e nada pode me...” - Claque! Claque! Claque! O inconfundível ruído do machado perfurando o gelo rompia o silêncio absoluto da vastidão branca da montanha - e se aproximava rapidamente. Gunther apressava-se como se tentasse recuperar o tempo perdido, progredindo duma forma impressionante para um alpinista menos experiente. A decisão de contrariar o plano antes acordado entre os companheiros havia sido espontânea, mas o erro traria resultados permanentes. Reinhold enfureceu-se por um momento, mas aceitou e juntos empreenderam pela última perna da subida, até o ponto mais alto de suas vidas até então – o primeiro pico acima de 8.000 metros de altura conquistado por Reinhold. Os últimos passos de seu irmão.

"NÃO HÁ UM TIPO OBSCURO DE SENSO DE JUSTIÇA NAS MONTANHAS - ELAS SÃO PERIGOSAS MESMO."

Reinhold Messner deve ser o espermatozóide mais resistente de todos os tempos. Sabe aquelas escaladas malucas que você vê nos documentários do canal off, dos barbudos passando perrengue rumo ao topo congelado de uma montanha bem alta? Messner já fez todas: muitas delas sozinho; em muitas foi o pioneiro no topo; em outras o primeiro a desbravar rotas desconhecidas; e todas, absolutamente todas, sem oxigêncio suplementar - inclusive no Everest, o topo do mundo, onde foi o primeiro a conquistar tal feito, sozinho, contrariando todas as previsões de médicos, alpinistas, vizinhos e papagaios. É um dos responsáveis por perpetuar o conceito de escalada alpina, que visa o cume no menor tempo possível, abandonando quaisquer regalias para trás: equipamentos supérfluos, comidas, barracas, oxigênio...essas coisas sem valor! Seguindo este discurso, foi o primeiro a chegar ao cume de todas as catorze montanhas acima dos 8.000 metros de altura.  Para ele, alpinismo significa introspecção, superação e auto-conhecimento. É a exposição completa aos elementos extremos da natureza que nos fazem encarar nossos medos e nos torna mais humanos.

"AS COISAS MAIS BONITAS DA VIDA SÃO AQUELAS QUE VOCÊ FAZ, NÃO AS QUE VOCÊ TEM."

Mais um maluco qualquer brincando com a morte, diriam os conformistas.  Mais um não, o maior deles, considerado o maior alpinista de todos os tempos. Messner sente-se em casa na montanha. Antes dos vinte anos já era um dos escaladores mais conceituados da Europa, ao lado de seu irmão Gunther. A morte do seu companheiro de montanha e de sangue deixou marcas profundas em Reinhold, mas também foi decisivo na rumo de sua vida.

“DAQUELE MOMENTO EM DIANTE, A VIDA NAS CIDADES FICOU AINDA MENOS INTERESSANTE. EU SÓ QUERIA VIVER AQUELE SONHO LOUCO E EXTREMO QUE TINHA COM MEU IRMÃO. E POR TANTAS VEZES SENTI QUE TINHA ENERGIA DOBRADA PARA SUPERAR AS DIFICULDADES DA MONTANHA - QUE PERCEBI QUE ELE ESTEVE SEMPRE COMIGO. ”

Hoje, com 68 anos, o senhor com o espírito mais jovem e aventureiro da história, que viveu pra contar a história, curte a aposentadoria, contando histórias. Já escreveu mais de 60 livros durante toda sua vida. Está sempre na montanha, mas nunca mais num pico tão alto: prometeu a sua mãe não subir novamente em mais nenhum cume acima dos 8.000, após atingir o topo de todos os catorze, e assim continua mantendo sua promessa.

Obrigado caros leitores, até a próxima quinta-feira!