quando você está na estrada, o costumeiro “o que você faz?” de um primeiro encontro se torna um revigorante:
e aí, pra onde você vai?
confesso que na verdade nem eu sei. Mas quando conto que já estou viajando pelo mundo há mais de 2 anos a resposta é sempre a mesma:
você tem a vida dos sonhos! Que inveja! Mas como é possível?
trabalhando... remotamente. Ou como diz o termo da moda: nomadismo. Mas por que digital, se sinto que estou mais real e vulnerável do que nunca?
desde que deixei o confinamento da megalópolis urbana de São Paulo, estou absorvendo as influências de quem cruzo pelo caminho, as energias dos lugares e seguindo minha intuição para traçar o meu caminho. Esta flexibilidade traz um horizonte infinito, uma propensão para experiências inusitadas e muitos, muitos desafios diários.
quero dizer… existe algo mais realístico e humano do que passar uns perrengues? Pois este caminho está cheio deles. Intensificado pelo fato de você estar levando a casa e o escritório nas costas. E não tem jeito... o enquadramento perfeito no instagram acaba removendo as arestas ásperas daquelas noites solitárias inevitáveis, onde mergulhei em dúvidas e incertezas sobre os próximos passos. De alguma forma, creio que este seja o preço pago por quem decide tomar as rédeas da própria vida e trilhar um caminho fora dos padrões repetidos pela sociedade.
"para com isso! Como você pode estar passando perrengue, hospedado em uma fazenda orgânica cinco estrelas no coração da Patagônia chilena e trabalhando nos seus projetos remotamente?"
solidão, frio, falta dos amigos, familiares, rotina e estrutura, internet ruim... não vou nem me aprofundar. Não é isso que as pessoas querem ver e ouvir. Nós gostamos mesmo é de admirar e imaginar uma vida utópica melhor do que as nossas. Um oásis inexistente em um deserto de sal da Bolívia. Vai entender. Mas deixa eu te falar a real. Essa vida idealizada sem conflitos não existe no nosso corrente tempo-espaço terrestre. Não existe em Nova York. Nem mesmo na Toscana.
eu sempre tive o sonho de viajar sem rumo, sem destino, sem datas. Conhecer novas culturas, pessoas, lugares. Viver tudo que nosso planeta pode oferecer. Sou de peixes, um sonhador fluente e flutuante. Mas também sou toro: determinação e pé no chão. E o empreendedorismo é a forma que encontrei de construir um futuro melhor para mim e para o meu entorno. Então como conciliar aventura com estabilidade? Flexibilidade com estrutura? Exploração com construção?
pra começar, eu precisava avaliar o que eu já tinha. Minha formação é em desenho de produtos e, quando entendi que o mundo já tinha produtos demais, decidi estudar programação para construir serviços, com tudo que já temos disponível em nossa sociedade. Daí surgiu a minha primeira e extinta empresa, focada em desenvolvimento de softwares, a Aerogami.
essa decisão também foi alimentada pela possibilidade de poder trabalhar de qualquer lugar com um computador e uma conexão à internet. Quando você entra, entende e domina o universo digital, você cria a oportunidade de estar fisicamente em qualquer lugar que haja acesso a este universo. E por alguns anos, estudei e trabalhei, fixo na mesma cidade, para lançar ferramentas digitais com o intuito de encontrar um caminho profissional alinhado a todos os meus propósitos.
estar na estrada hoje é o resultado de anos de planejamento, aprendizados, tentativas, erros e conquistas. Este foi o caminho que eu escolhi e não precisa ser assim para todos que desejam reduzir o seu armário a uma mochila. Eventualmente consegui desenvolver habilidades, serviços e projetos que me permitem trabalhar remotamente, quando e onde eu quiser. Eu queria isso: divagar e desenvolver ao mesmo tempo. E é isso que vivo hoje. Mas muitas escolhas difíceis foram necessárias para tornar isto realidade.
a minha viagem teve início num momento de muitas mudanças na minha vida. Dentre elas, o término de um relacionamento de 8 anos e início do desenvolvimento da minha atual empresa, a person.agency. E creio que não haveria outra forma, já que a escolha de viajar sem planos ainda é fora da curva para a maioria das pessoas em nossa sociedade, incluindo meus amigos, família e cônjuges. E ainda hoje, todos os dias representam um novo desafio: sentimentos, transformações, estruturas, experiências...
já passei por tantos lugares e pessoas, mas a maior dificuldade que esbarrei até o momento, curiosamente, não está fora. Está dentro. A fadiga. E não estou falando da física. Esta a gente supera com uma boa noite de sono e aquelas tardes de terças-feiras energizantes boiando na costa da Croácia. Estou falando mesmo é do desgaste emocional. Quando você está realmente aberto às experiências que está vivendo, você absorve os lugares. Você se conecta às pessoas. E desapego pode ser tendência, mas é cansativo se apegar e se desapegar todos os dias, e se despedir dos laços que você amarrou em Roma nas semanas que se passaram.
hoje vejo esta forma de encarar a vida e trabalho muito mais como um estado de espírito do que um estado ou fronteira onde estamos. Inquietude. Inconformismo. Curiosidade. Estou seguindo este caminho para aprender o máximo que posso sobre o meu entorno e sobre o meu interno. Quero entender o quê, como, quando, com quem e onde eu poderia ser mais feliz neste universo. Estou numa busca. Deixando pra trás as definições de quem eu era para experimentar os comportamentos de quem eu posso ser. Serei boêmio em Belgrado ou arte em Barcelona? Quando encontrar as respostas, vou voltar a plantar no terreno fértil das minhas experiências. Até quando fizer sentido. Depois, quem sabe, estrada novamente?
"a verdade é que não estou viajando pra lugar nenhum… só estou vivendo em qualquer lugar."
texto publicado originalmente no e-book da Rock Content.