“É QUANDO OS LUTADORES CANSAM QUE A LUTA COMEÇA REALMENTE A SER TRAVADA”

Hoje vai ser diferente. Este post não será exclusivamente sobre o legado de Carlos Gracie, embora esteja invariavelmente implícito, mas sobre o elemento que levou a hiena desafinada a se transformar no rei da floresta, como a inteligência física superou a força bruta, como o pensamento lógico desbancou o conformismo e como o garoto encrenqueiro se transformou num líder de uma revolução. Foi, acredite se quiser, através de uma alimentação regrada.

Em poucas palavras, Carlos Gracie foi o pioneiro, o visionário, o precursor de uma dinastia. Nascido em 1902 em Belém do Pará, o moleque franzino tinha a saúde debilitada por enxaquecas épicas e não tinha a auto-estima muito em alta. Era também encrenqueiro e vivia se metendo em brigas e sendo expulso de escolas. Numa tentativa de superar estas dificuldades, aprendeu o Jiu-jitsu tradicional misturado com nuances do Judô de Mitsuyo Maeda, um integrante do circo dirigido por seu pai. Suas características físicas contrárias as de um lutador e o eventual distanciamento de seu professor não foram motivo para sua desistência. Na contramão, o primeiro da era dos Gracie treinou exaustivamente, aprimorou sua técnica nas ruas com tantos e qualquer um que se disponibilizasse a um embate – fosse qual fosse o tamanho ou peso do rival – e assim desenvolveu técnicas bem brasileiras em cima dos ensinamentos da arte marcial japonesa. Seus movimentos leves, inteligentes e articulados compensavam seu porte inferior e resultavam na queda de todos os adversários. Daí nasceu o mundialmente famoso e hoje uma das artes marciais mais praticadas e reverenciadas em todas as nações, o Jiu-Jitsu Brasileiro.

E o que isso tem a ver com comida? Tudo.

O início da vida amorosa de Carlos foi um tanto quanto deprimente. Sua primeira namorada se jogou de uma janela enquanto delirava com 40 graus de febre causada pelo tifo. Este episódio despertou em Gracie uma visão apurada pela manutenção da vida. A segunda mulher, Carmen, com quem teve 5 filhos, sofreu com as mazelas da tuberculose antes de falecer num sanatório para mulheres com a mesma doença. Durante o período de incubação o lutador cabeça-dura se recusava a abandonar a mulher e, apesar das súplicas dos médicos, beijava-a na boca sem cerimônia ou medo de contrair a doença altamente contagiosa. Carlos dizia-se imune às bactérias causadoras do mal e atribuia tal fato a uma dieta que seguia havia alguns anos.

“NOSSO CORPO É UMA MÁQUINA CUJO ÓLEO É O SANGUE. SE O SANGUE ESTIVER PURO A MÁQUINA TRABALHA BEM”

Numa busca pela saúde absoluta e aprimoramento físico para as lutas, Carlos Gracie se aprofundou em temas como nutrição e anatomia humana e seguiu uma dieta muito a frente do seu tempo. A origem da dieta é incerta e contestada, contudo Carlos foi o responsável pela difusão do guia alimentar que recebeu o nome de Dieta Gracie. Numa visão geral, trata-se de doses vegetarianas bem distribuídas durante um dia, que prezam pelo balanceamento do PH da comida ingerida. Gracie acreditava que o cuidado com a manutenção do PH do sangue era essencial para a boa forma e disposição – um pensamento visionário que praticou na década de 30 e vai totalmente ao encontro dos mais modernos estudos nutricionais.

As teorias sobre a alimentação aprimoradas por Carlos Gracie foram dissecadas através de vários anos através de testes com sua própria saúde e de seus familiares. Seus irmãos aprenderam com ele a arte marcial e a dieta e as seguiram assiduamente – e um dos resultados foi o lendário lutador Hélio Gracie. Carlos se relacionou com algumas mulheres durante a vida e com elas teve 21 filhos, dos quais 13 atingiram o nível máximo no Jiu-Jitsu Brasileiro sob seus ensinamentos. Netos, sobrinhos, bisnetos - a casa dos Gracie era um vai e vem de kimonos e filosofias e assim, da perspicácia de um pequenino paraense, criou-se uma dinastia supra-continental.

Abaixo, os doze mandamentos que inspiraram Carlos Gracie:

01 – Ser tão forte que nada possa perturbar a paz da tua mente.
02 – Falar a todos de felicidade, saúde e prosperidade.
03 – Dar a todos os teus amigos a sensação de que têm valor.
04 – Olhar as coisas pelo seu lado luminoso e atualizar teu otimismo em realidade.
05 – Pensar somente no melhor, trabalhar unicamente pelo melhor e esperar sempre o melhor.
06 – Ser tão justo e tão entusiasta com respeito ao êxito dos outros como és com o teu próprio.
07 – Esquecer os erros do passado e concentrar tuas energias nas conquistas do futuro.
08 – Manter sempre o semelhante alegre e ter um sorriso para todos os que a ti se dirijam.
09 – Empregar o maior tempo no aperfeiçoamento de ti mesmo, e nenhum tempo em criticar os outros.
10 – Ser grande demais para sentir desassossego, nobre demais para sentir cólera, forte demais para sentir temor e feliz demais para sentir contrariedades.
11 – Ter boa opinião sobre ti mesmo e proclama-la perante o mundo, mas não com palavras altissonantes e sim com boas obras.
12 – Ter a firme convicção de que o mundo estará ao teu lado, enquanto te mantiveres ao que há de melhor em ti.

Carlos morreu em 1994, aos 92 anos de idade.